14.8.07

mão morta com fim possível

Será a despedida dos Mão Morta?

Pelo menos foi o que acabou de anunciar Adolfo Luxúria Canibal no palco principal de Paredes de Coura. Sem maiores explicações, e em directo para todo o país, o líder e vocalista da banda de "Budapeste" disse que os Mão Morta não podiam deixar de dizer adeus ao rock n'roll em Paredes de Coura, onde actuam pela quinta vez. Verdade ou provocação, tentaremos confirmá-lo.

3º Dia Paredes de Coura 2007 [Actualização Permanente]

À tarde, pelo palco Ibero Sounds passaram os portugueses Mundo Cão, com o álbum homónimo de estreia e canções como «O Caixão da Razão» a ganhar adeptos - prestação alvo de recepção calorosa por parte do público - e os 6 PM. Destaque, no que toca aos Mundo Cão, para uma versão dos bracarenses Um Zero Amarelo, «Canção de Amigo».


18h45 Os Spoon saem de palco após uma bela actuação que nem a chuva conseguiu arruinar. Típica banda sem nada que a recomende, que não as excelentes cantigas, os autores de Ga Ga Ga Ga Ga são valentes: enfrentaram os cada vez mais fortes pingos de chuva e uma plateia rarefeita para fazerem canções à moda antiga, com piano (eléctrico), pandeireta e um balanço bom, muito bom.

«Don't Make Me A Target», «Don't You Evah», «You Got Yr. Cherry Bomb» e «Rhythm and Soul», todas do novo disco, foram excelentes momentos, não só de pop vaporosa como de entrosamento com o povo.

O concerto dos Spoon marcou também a mais consistente aparição, até ao momento, de gabardines no recinto. Aos enfadonhos impermeáveis azuis escuros juntam-se algumas experiências cromáticas mais arriscadas. Para proteger o penteado da chuva, vale tudo, inclusive sacos de plástico.




20h00 Os Gogol Bordello vêem-se forçados a voltar ao palco não para um encore, que o contexto de festival não permite tais veleidades, mas para uma pequena brincadeira com guitarra acústica. Objectivo: congratular o público pela eufórica participação no concerto, o mais agitado do festival até agora.

Poderá ser o cenário a influenciar o nosso discernimento mas, em comparação com o espectáculo de Sines, os Gogol Bordello terão carregado mais na tónica punk da sua música. O baterista, pelo menos, para isso trabalhou...

Líder incontestado da trupe, Eugene Hütz acabou, paradoxalmente, por diluir-se no meio do caos organizado que acontece em palco (dançarinas com bombos, violino, acordeão). De calças vermelhas e atlético tronco nu, é ele quem conduz a carroça, mas todos usufruem da boleia.

A assistir ao concerto estiveram os Spoon, abordados por vários fãs para tirarem fotografias e darem autógrafos, e os New York Dolls, que adiaram algumas entrevistas para poderem ver o show dos Gogol Bordello. Numa das zonas laterais do palco também avistámos os longos cabelos grisalhos de J Mascis, dos Dinosaur Jr.



22h15 Os australianos Architecture in Helsinki saíram de palco há uma boa meia hora e deixaram o público «contente» com a sua pop colorida. Os seis elementos presentes no concerto fizeram a festa, mudando constantemente de instrumentos (a fazer lembrar por breves instantes o que os Arcade Fire fizeram no mesmo palco há alguns anos atrás, mas sem igualarem o brilhantismo da banda canadiana).

Do alinhamento fizeram parte o divertido «It'5» e as recentes «Debbie» e «Heart It Races» - o single de apresentação do novo Places Like This , que fechou o concerto em modo festivo «electro afro». A boa disposição dos Architecture in Helsinki, mesmo em momentos mais calmos, não passou despercebida por entre as gotas de chuva que insistiram em cair.



23h20 A organização acertou em cheio nas previsões meteorológicas: chove e bem em Paredes de Coura.

Adolfo Luxúria Canibal, dos Mão Morta, não teve medo da intempérie e apresentou-se em palco num belo conjunto de calção e t-shirt. Agradecendo a «ajuda» de São Pedro, o líder dos bracarenses mostrou-se encantado com a prestação do público.

«Se eu fosse uma espécie de Papa, que não sou, diria que estais com uma auréola muito estranha, pois apesar da chuva e da lama, conseguis levantar poeira», disse a cera altura. «Sobretudo para um não-crente, é milagre!».

Enigmáticas foram as declarações de Canibal sobre este ter sido o «adeus» dos Mão Morta ao rock. Estará a banda disposta a trocar as guitarras pelos palcos do teatro?...

«Para vocês ficarem com uma memória nossa», explicou Canibal antes da despedida com «Anarquista Duval». A chuva caía copiosamente e a dúvida ficou a pairar no ar, húmida e pesada...


01h15 Depois de um curioso e prolongado linecheck, os norte-americanos New York Dolls entraram em palco com a atitude confiante de quem volta a casa (o palco, entenda-se) estampada na cara. Ressuscitada o ano passado depois de mais de 30 anos afastada do estúdio, a banda encabeçada por David Johansen veio a Paredes de Coura apresentar o álbum One Day It Will Please Us to Remember Even This , sem esquecer no entanto temas mais antigos.

«Looking for a Kiss» (a abrir), «Frankenstein», «Pills», «Private World» (dedicada ao falecido baixista Arthur Kane) e a incontornável «Personality Crisis» (já no encore) foram retiradas do baú de recordações, entre momentos blues - com harmónica a acompanhar - que rapidamente resvalaram para rock.

Do novo registo, a banda de Sylvain Sylvain (o guitarrista que, em declarações à BLITZ antes do concerto, confidenciou que Johansen é confundido com Mick Jagger em aeroportos) apresentou «We're All in Love», «Plenty of Music» e «Dancing on the Lip of a Volcano», entre outras. Ao terceiro tema, no entanto, os New York Dolls decidiram homenagear aquela que garantiram ser a sua banda preferida... Janis Joplin foi recordada com uma versão de «Piece of My Heart».


2h57 Os Dinosaur Jr estão prestes a despedir-se de Paredes de Coura. Naquela que foi a segunda passagem da banda americana por Portugal em pouco mais de dois anos, caminharam lado a lado temas do novo Beyond e «oldies» como «The Wagon» ou «Feel The Pain».

Nem a idade das canções nem a dos músicos foi, porém, relevante num espectáculo que arrancou pelas duas da manhã, debaixo de um aguaceiro de belíssimo efeito. Quem resistiu ao adiantado da hora e à chuva (e ainda houve muitos valentes!) soube aproveitar um óptimo concerto – se ao final da tarde os Spoon presentearam o Minho com pop à moda antiga, às primeiras horas da madrugada os Dinosaur Jr lembraram o indie rock como já não se faz. Bateria seca de Murph, a guitarra de J Mascis a explodir na parede de amplificadores e o baixo de Lou Barlow a pulsar pelo anfiteatro fora. Tudo soou tão estridente e certo como devia, inclusive os novos temas, escritos após quase 10 anos de separação.

«Almost Ready», «Back To Your Heart» e «This Is All I Came To Do», bem como a versão de «Just Like Heaven», dos Cure foram apresentados com a frescura das cinco da tarde e a energia dos 20 anos. Bem que Lou Barlow explicou à BLITZ, pouco antes do concerto, que o segredo do regresso bem sucedido foi mesmo a «muita energia» que o trio acumulou durante os anos em que esteve separado.

Entre canções, os Dinosaur Jr pouco comunicaram, mas Lou Barlow, o amante de gatos, ainda miou umas saudações bem intencionadas. Paredes de Coura, ou o que restava dela, ronronou de prazer.



Texto: Capitão Romance e Lia Pereira e Mário Rui Vieira @ BLITZ
Fotos: Antena 3